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14.6.11

A ética, a moral e o combate à corrupção

Promotora Eliane Misae: "O trabalho do MP, de combate à corrupção apenas começou em Tarauacá'


Promotora Eliane Misae

Nosso blog publica para nossos leitores uma entrevista com a Promotora Pública de Tarauacá Doutora Eliane Misae, que fala sobre a atuação do Ministério Público em Tarauacá, sua decisão de vir atuar no Acre, a situação do menores e o combate à corrupção nos poderes públicos do município.

Eliane Misae Kinoshita é natural de Faxinal/PR, formada pela Faculdade de Direito de Presidente Prudente/SP – Instituição Toledo de Ensino, em 1999. Eliane já tem muita experiência profissional por ter trabalhado por Estágio concursado na Promotoria de Justiça de Presidente Venceslau/SP, de 1997 a setembro/1998, Escrevente técnico judiciário, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Fórum de Presidente Epitácio/SP – de setembro/2008 a julho/1999 e Oficial de Promotoria do Ministério Publico do Estado de São Paulo – Promotoria de Justiça de Presidente Venceslau, após concurso público – de julho/1999 a setembro/2009. Em outubro de 2009 foi nomeada Promotora de Justiça do Estado do Acre. 

Blog - O que a senhora esperava encontrar quando foi escolhida para trabalhar em Tarauacá e como foram os primeiros dias atuando na cidade? 

Eliane - Sempre digo que fiz uma opção de vida ao vir para este Estado e escolher esta comarca, aceitando esse grande desafio, sabedora de todas as dificuldades e percalços pelos quais iria passar, tanto na vida profissional, como pessoal. Mas, acima de tudo, vim pela concretização de um ideal maior, de um ideal de justiça, de um ideal de servir ao próximo, com a absoluta certeza de que poderia contribuir, com o estudo, o conhecimento e a experiência adquiridos ao longo desses anos, para melhoria desta comunidade. 

Quando da nomeação, já tinha um cargo público efetivo, estabilidade, e estava próximo de minha família. Além disso, havia sido recém nomeada para outro cargo público e estava aprovada em outros concursos. Enfim, tinha várias alternativas à minha escolha e decidi vir para este Estado. 

Não conhecia, até então, nenhum dos municípios do interior do Acre, e confesso que a imagem que a mídia transmite do Estado não é das melhores. Apesar de me surpreender positivamente com o porte e a estrutura da cidade (até então imaginava uma cidade menor), me impressionou a falta de saneamento básico no município e as dificuldades inerentes à localização geográfica e falta de acesso. 


Quanto à população, achei as pessoas acolhedoras, alegres, mas por outro lado, bastante sofridas. As primeiras impressões foram no sentido de que realmente havia (e ainda há) muito trabalho para se desenvolvido. Uma cidade com necessidade de melhorias e investimentos em áreas diversas e uma população, de forma geral, extremamente carente. 

Com a experiência que já tinha no Ministério Público, conhecendo toda a rotina de trabalho de uma Promotoria de Justiça, não tive dificuldades de adaptação em relação ao trabalho. A preocupação realmente se dava em razão do grande volume de serviço (muitas audiências acumuladas, mutirões, meta 2, etc.), e da falta de tempo para execução de tantas atribuições. 

Blog - Como a Senhora encontrou o MP em Tarauacá nos primeiros dias e qual é essa realidade atualmente? 

Eliane - Quando assumi a Promotoria de Justiça de Tarauacá, acumulei as Promotorias Cível e Criminal. Havia uma demanda de trabalho intensa, contando apenas com um assessor e um secretário. Após seis meses, foi designada mais uma Promotora de Justiça – Dra. Nicole, e foram contratados mais um assessor e um secretário, possibilitando melhora no atendimento à população e à execução dos trabalhos. Somente assim, com a divisão de atribuições, foi possível me dedicar à atuação na área extrajudicial, notadamente no que diz respeito à improbidade administrativa. 

Mesmo para duas Promotoras o trabalho é grande. Temos que nos dividir em audiências, atendimento ao público, análise de processos, investigações, reuniões, palestras, cursos de aperfeiçoamento, cobrir afastamentos dos colegas, etc. E isso tudo com número reduzido de servidores para dar o necessário suporte administrativo. 

Blog - E a situação do menor em Tarauacá? 

Eliane - Em relação à Infância e Juventude, a realidade local, que não difere da realidade dos outros municípios do Estado. É muito preocupante. 

Infelizmente, lidamos diariamente com crianças e adolescentes em situação de risco, ou adolescentes infratores. Na quase totalidade dos casos, observo que isso se dá, principalmente, pela omissão dos pais ou responsáveis em sua criação e educação e por ausência de estrutura familiar sólida. Sabemos que a família é a base da sociedade e é o primeiro núcleo socializador do indivíduo. É nela que a pessoa nasce, cresce, se desenvolve, adquire valores e personalidade. E a sociedade nada mais é que uma grande família ampliada, de forma que os problemas que atingem a família afetam toda a comunidade. 

É claro que as precárias condições financeiras e a falta de políticas públicas para a área em muito contribuem para esse cenário desolador. Temos que trabalhar, então, para que as redes de proteção (não só ao menor, mas ao idoso, ás mulheres, às vítimas de violência doméstica, etc) realmente funcionem. 

Por exemplo, não temos aqui uma entidade que trabalhe na recuperação de dependentes químicos, ao passo que o numero de crianças e adolescentes fazendo uso de drogas (lícitas e ilícitas), cada vez mais cedo, é muito grande. Não temos profissionais especializados para atendimento de alguns casos, como psicólogos e assistentes sociais (o município dispõe de apenas um). Não vemos aqui, atividades voltadas para as crianças e adolescentes que passam os dias na ociosidade, fazendo das ruas a sua escola. Não temos atividades para os jovens que logo devem ingressar no mercado de trabalho (cursos técnicos, cursos profissionalizantes, etc), que crescem, assim, sem orientação profissional, sem objetivos, sem um projeto de vida, sujeitando-se ao trabalho meramente braçal, sem perspectivas de mudanças em sua situação econômica. 

E aqui entra a responsabilidade do Poder Publico, do Executivo, na efetivação de políticas públicas para a proteção da infância e juventude e também do necessário combate à corrupção, para que os recursos públicos sejam, de fato, empregados para a melhoria das condições sociais. 

A questão envolve também valores culturais que precisam ser reavaliados: 

1. O número de filhos nas famílias mais carentes é absurdo. Pessoas que não tem a mínima condição de criar e educar um único filho, têm, muitas vezes, dez ou mais filhos e vivem na mais completa miséria, mendigando benefícios assistenciais. As crianças, muitas vezes seguindo o (mau) exemplo dos próprios pais, se envolvem muito cedo com bebidas e o fumo e daí para o uso de outras drogas. 

2. Também se verifica antecipação da sexualidade: menores iniciando a vida sexual ainda crianças, sem nenhum preparo, amadurecimento e consciência, o que, aliado à miséria local, dá margem à prostituição e exploração sexual de menores, algumas vezes incentivados pelos próprios pais. O índice de gravidez na adolescência é altíssimo. 

3. Há, ainda, falta de estímulo muito grande aos estudos. Menores abandonam muito cedo a escola e muitos pais, às vezes por completa ignorância (ausência de conhecimento, de instrução e consciência mínimas), também não fazem questão de que eles freqüentem as aulas e concluam, ao menos o ensino fundamental. E como responsabilizar criminalmente esses pais se eles próprios nunca tiverem direito à educação? Se eles não conseguem compreender a importância do estudo, porque estão muitas vezes preocupados em conseguir o alimento daquele dia, para seus filhos? Se são eles, também, em parte vítimas desse sistema ineficiente? Como conciliar o rigor da lei com a dura realidade local? 

Neste Estado, convivemos com a miséria de forma muito próxima e intensa, e temos que ter bom senso e razoabilidade na análise dessas questões. E sabemos que a educação é, sem dúvida, fator de desenvolvimento social. 

Acredito que somente com investimentos na área social e com mudança de valores, por meio de um processo lento e gradativo de educação e conscientização, será possível melhorar a situação das crianças e adolescentes de Tarauacá. 

"o combate à corrupção está só no começo"

Blog - A senhora tem trabalhado muito para que o MP atue firmemente na questão do combate à  corrupção nos poderes públicos instituídos na cidade. Inúmeras denúncias de irregularidades chegam ao seu conhecimento através de representações no próprio MP e também diversos  escândalos publicados na imprensa, especialmente, envolvendo a prefeitura de Tarauacá. Como a senhora avalia essa situação. 

Eliane - A situação do Município de Tarauacá realmente reclamava a adoção de providências enérgicas por parte do Ministério Público. Vi a corrupção em níveis assustadores e elegi como prioridade o combate à improbidade neste Município. Mesmo porque muitos dos problemas com os quais lidamos no dia a dia são frutos de anos de negligência administrativa e da malversação de recursos públicos. 

Por exemplo, muitos menores que atendemos hoje em situação de risco não estariam nessa condição se, no passado, os recursos existentes tivessem sido empregados na área. No mesmo sentido os problemas relacionados ao trânsito, à falta de iluminação pública (desvio de recursos da CIP – contribuição de iluminação pública), ao lixão, que se originaram e se arrastam há longos anos. 

Por isso a necessidade de atuação firme e também de conscientização da população em geral, para que façam a sua parte. 

Algumas medidas adotadas recentemente foram importantes para demonstrar aos agentes públicos e à população que a lei existe e deve ser cumprida e que os agentes que a infringirem serão responsabilizados. 

Num curto espaço de tempo em nossa cidade, perderam os mandatos, o Chefe do Poder Legislativo, do Poder Executivo e parlamentares acusados de corrupção. A senhora diria que estamos vivendo uma crise institucional devido a corrupção? 

Acredito que o que vivenciamos hoje é reflexo de anos de desmandos e de confiança absoluta na impunidade por parte dos governantes locais e também de falta de estrutura dos órgãos de Estado responsáveis pela investigação e pelo julgamento das ações. 

O órgão responsável pela fiscalização dos atos do Poder Executivo – Câmara Municipal - não cumpria sua missão, praticamente não havendo oposição no município, com grande parte de seus membros envolvidos em atos de corrupção e também ostentando condenações criminais. 

É importante destacar que as Instituições do Estado estão se fortalecendo: nos últimos anos, houve contratação de novos Delegados, Promotores de Justiça, Juízes, Servidores do Poder Judiciário, Servidores do Tribunal de Contas, de Policiais Militares, etc. Tudo isso para prestar serviço público de qualidade e um atendimento cada vez melhor à população. 

O Ministério Público é, por excelência, a Instituição constitucionalmente incumbida de zelar pela proteção ao patrimônio público. Entretanto, é evidente que há muitas deficiências, impossíveis de serem sanadas de uma só vez e há necessidade de fortalecimento, cada vez maior, da atuação do Ministério Público no combate à improbidade. 

E o Ministério Público está fazendo seu trabalho, seja por meio da propositura de ações para responsabilização dos gestores, seja por meio da expedição de recomendações e orientações. 

Mas aqui também chamo atenção para a responsabilidade da população em relação a esses fatos, já que os escândalos envolvem agentes que ocupam, há anos, cargos eletivos e seus funcionários de confiança. Muitos deles, reeleitos pelo povo. 

Daí a necessidade de escolha dos representantes de forma séria e consciente e de acompanhamento e de participação na vida política do município. 

Blog - Diante de tanta “turbulência política” devido a atuação do MP a senhora tem sofrido algum tipo de ameaça? 

Eliane - Os membros do Ministério Público, em sua atuação funcional, contrariam muitos interesses. É muito comum, ainda hoje, ouvirmos ameaças de transferências, em razão de um suposto “poder” ou “influência política”. Mas o que quero deixar claro é que o Ministério Público é instituição permanente e independente. 

Não há vinculação ou influência política na designação e promoção de seus membros. Somos designados por ato do Procurador Geral de Justiça e somente a ele compete a definição do local de exercício. As promoções na carreira observam critérios objetivos previamente definidos (antiguidade e merecimento), tal como na magistratura. Gozamos de prerrogativas funcionais que nos asseguram o livre exercício de nossas atribuições.  

Blog - Além das decisões que já foram tomadas pelo MP relacionadas à questão da corrupção, existem outras investigações sendo desenvolvidas no mesmo sentido? 

Eliane - Há várias investigações em andamento e ações a serem propostas nos próximos meses (ações de improbidade administrativa e também criminais). O fato de um agente público deixar o cargo não implica na paralisação das investigações. Mais recentemente, o enfoque está nas ações para coibir o nepotismo, a acumulação ilegal de cargos e a existência de funcionários fantasmas. Estamos discutimos com a atual administração a necessidade de realização de concurso público o mais rápido possível. Além disso, há outras investigações envolvendo licitações, realização de obras públicas, etc. Enfim, digo que o trabalho apenas começou... 

"a participação da sociedade civil nessa luta é fundamental"

Blog - Mesmo com muito trabalho a senhora tem participado de eventos em escolas, sindicatos, audiências públicas, lançamentos de projetos de iniciativa popular, eventos culturais e outras iniciativas da sociedade civil organizada. Em sua opinião, a sociedade tarauacaense está contribuindo para que a justiça cada vez mais se fortaleça? 

Eliane - A participação da sociedade civil, sem dúvida nenhuma, vem contribuindo para a melhoria da nossa cidade. Tenho acompanhado (embora muitas vezes a presença física torna-se impossível), as audiências públicas realizadas e lançamentos de vários projetos. Parabenizo as entidades pelo engajamento e digo que somente com a união de esforços e participação de toda a sociedade será possível a melhoria de nossa comunidade. 

Blog - Para encerrar, obrigado por nos receber e gostaríamos que a senhora deixasse uma mensagem para nossos leitores. 

Eliane - Estamos passando por um momento bastante conturbado, com alteração na Chefia do Executivo, no Poder Legislativo e, por via reflexa, na administração pública de forma geral (mudança de secretariado, exoneração de funcionários, etc). E isso tudo em decorrência de ações desencadeadas pelo Ministério Público (ações civis públicas, ações criminais, execução de sentenças, instauração de inquéritos civis, etc). 

Espero que esses acontecimentos sirvam para reflexão, não só dos políticos, mas de todos os agentes públicos e da população em geral, sobre a necessidade de resgate da ética e da moralidade no trato da coisa pública. 

É preciso ter em mente que o exercício de um cargo público não é a oportunidade para se “arrumar” a vida do agente e toda sua família ou amigos, para obtenção de privilégios e benefícios pessoais. É preciso a consciência de que aquele que ocupa um cargo público deve fazê-lo com o objetivo de prestar serviço público de qualidade, com vistas ao atendimento ao bem comum. 

Chamo a atenção para a responsabilidade que recai sobre os agentes públicos. Embora muitas vezes o trâmite de um processo demore anos, os exemplos recentes não deixam dúvidas de que há sim, punição dos agentes públicos. Tivemos casos de perda de funções públicas, perda de mandato eletivo, inelegibilidades decorrentes de condenação criminal, exonerações, etc. 

Todavia, é importante que as pessoas tenham em mente que, mesmo que os responsáveis sejam condenados, que percam os cargos e que cumpram suas penas, o prejuízo acarretado à sociedade é muitas vezes irreversível. 

Daí a necessidade de escolha dos representantes de forma consciente. Daí a necessidade de acompanhamento e de participação na vida política do município. 

Os escândalos envolvem agentes que ocupam, há anos, cargos eletivos e seus funcionários de confiança. Muitos deles, reeleitos pelo povo. Por isso também há a parcela de responsabilidade da sociedade em relação a esses fatos. 

Diante desse contexto, a mensagem que passo aos leitores é no sentido de que EXERÇAM A CIDADANIA DE FORMA RESPONSÁVEL. Não só no momento de eleger seus representantes, mas no sentido de acompanhar toda a administração. Que tenham postura proativa e que cada um dê sua contribuição para a melhoria da sociedade. 

Que participem, que se envolvam, que tomem conhecimento dos problemas e que ajudem na busca de soluções. E que tragam ao conhecimento das autoridades responsáveis pela investigação, de forma séria e responsável, as irregularidades de que tiverem notícia. 

Não adianta ficarem somente lançando comentários em blogs anônimos, em “rodinhas” das ruas ou nas mesas de bar. Nós (Promotores de Justiça) não temos condições de estar nesses lugares ao mesmo tempo e precisamos do apoio da população, não só para apontar as irregularidades, mas também para contribuir para o sucesso da investigação. 

Ouço comentários no sentido de que muitos dos escândalos que vieram à tona recentemente eram de conhecimento da população, que agora se mostra indignada com todos esses desmandos (que, repito, datam de longos anos). Entretanto, em mais de um ano e meio atuando nesta comarca, foram raríssimos os casos de recebimento de representação, de cidadão(s) que tivesse(m) comparecido ao MP para denunciar, por exemplo, a existência de um funcionário fantasma, fornecendo nomes, supostos cargos, local de residência, etc, muito embora, hoje, todos digam que já sabiam, há muito tempo, de suas existências. 

Então, é preciso que cada pessoa cumpra o seu papel social, de forma séria, responsável e consciente. 

Por fim, agradeço a todos aqueles que estão colaborando com as investigações e o trabalho do Ministério Público, exercendo seu papel de cidadão. 

Obrigada.
 

2 comentários:

alissa de cassia disse...

o que é q vc faz aqui entao flor do mal?

Flor de Liz disse...

Alissa, você mim ama, confessa vai.
A outra tá bem atualizada nas fofocas. Sebe até onde elas surgem. Supreendente.